Um relato espiritual sobre a morte do Papa Francisco
Na alvorada de um tempo novo, quando os ventos do mundo ainda pareciam dispersos e os corações, confusos entre o medo e a esperança, uma notícia atravessou o silêncio da Igreja nesta manhã: Francisco havia partido.
Não o de Assis — embora dele tenha vindo o nome e o espírito —, mas o de Buenos Aires, o homem de passos simples e palavras que ardiam como Evangelho. Papa Francisco morreu, e a Terra pareceu suspirar por um instante, como quem perde um amigo íntimo, um irmão mais velho, um pastor com cheiro de ovelha. E foi assim que ele desejou ser lembrado: como um servo.
É impossível falar de sua morte sem recordar o seu começo — aquele momento que, embora vivido com timidez, ressoou como uma revolução: “Os cardeais foram buscar o bispo de Roma no fim do mundo”, disse. E logo depois, um gesto que ainda ecoa: a inclinação da cabeça, o pedido humilde de oração ao povo. Um Papa que pedia bênção.
Mas foi no Rio de Janeiro, na sua primeira viagem internacional, na Jornada Mundial da Juventude de 2013, que muitos viram o verdadeiro Francisco desabrochar. Entre os jovens do mundo inteiro, foi não um chefe de Estado, mas um peregrino de alma descalça. No meio do povo, entre abraços e lágrimas, sorrisos e cantos, disse com vigor e ternura: “Quero que vocês façam barulho! Quero que a Igreja saia às ruas!” E ela saiu, porque ele foi à frente. Ali, naqueles dias de sol, chuva e Espírito, entendemos que o pontífice não queria tronos, mas corações.
Sua voz ecoou além das praias de Copacabana. Nas encíclicas, sua alma transbordou para o papel como oração em forma de pensamento. Evangelii Gaudium foi o grito da alegria do Evangelho contra a indiferença e a apatia. Laudato Si’ foi o canto pela criação ferida, um apelo pela casa comum em ruínas. E Fratelli Tutti foi o sonho insistente da fraternidade universal, como quem ainda crê, apesar das fronteiras, muros e ódios, que todos somos irmãos.
Mais do que seus textos, foi seu testemunho que converteu. A cadeira simples, a cruz de ferro, os telefonemas pessoais, os encontros com refugiados, os pés lavados de detentos, os abraços em corpos feridos pela lepra ou pela exclusão. Francisco não interpretou o papel de Papa. Ele viveu o Evangelho.
Como não recordar aquela noite chuvosa, silenciosa e vazia em que sua voz se tornou clamor do mundo inteiro? Era 27 de março de 2020. Sozinho, sob o céu de Roma, caminhou lentamente até o adro da Basílica de São Pedro. Não havia fiéis. Só o silêncio, a escuridão e o som das gotas caindo sobre o chão molhado. Ali, em plena pandemia, ergueu o Santíssimo Sacramento sobre a humanidade ferida e implorou: “Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade.” Foi o momento em que o mundo percebeu que não estava sozinho. A solidão daquele homem na praça vazia espelhou a de todos nós — e ao mesmo tempo, nos uniu num mesmo coração. Ali, mais do que nunca, Francisco foi pastor.
Sua morte não nos deixa órfãos. Porque o Evangelho que ele viveu permanece — em suas palavras, seus gestos, suas escolhas. Ele não quis uma Igreja triunfante, mas ferida pelas dores do mundo. Não quis a pompa das cortes, mas a ternura dos pobres. Não quis mandar, mas lavar os pés. Não quis doutrinar, mas abrir portas.
Agora, com sua morte, não choramos a perda de um governante. Choramos a ausência de um homem que, como Jesus, escolheu a companhia dos últimos. Francisco foi sinal do Reino em meio à fumaça das guerras, ao ruído das redes e ao cansaço de uma fé institucionalizada. Foi voz que incomodou os poderosos e que devolveu dignidade aos que não tinham mais sequer nome.
Morreu o Papa. Permanece o irmão. Francisco agora repousa no seio de Deus, talvez ouvindo d’Aquele a quem tanto amou: “Vem, servo bom e fiel. Foste fiel no pouco…” Talvez sorria, com aquele sorriso que misturava dor e ternura, ao perceber que, enfim, descalço como desejava, caminha pelos campos eternos de Assis.
E a nós, resta continuar o que ele começou: “cuidar da casa comum, sonhar a fraternidade, viver a alegria do Evangelho e colocar os pobres no centro.”
Foi Papa. Foi irmão. Foi Francisco entre nós. E isso bastou para reacender em nós a esperança.
Muito obrigado, Papa Francisco!
por: Diego Bello Doze – coordenador CPP